terça-feira, 18 de outubro de 2011

CRACK NEM PENSAR




Crack: uma epidemia que tomou conta do RS. Entrevista especial com Sérgio Ramos

Há quase 20 anos, Sérgio Ramos atende dependentes químicos. Com ampla experiência no assunto, vem sendo desafiado, nos últimos cinco anos, pela entrada do crack no Rio Grande do Sul. Assistiu ao crescimento do uso até se tornar no que chama hoje de epidemia do crack. “Em geral, todo dependente de droga, na cultura brasileira, começa com álcool. No entanto, o crack é uma droga tão anarquizante e ressonante que nós temos tido relatos de crianças, principalmente de favelas, que nunca experimentaram álcool na vida e vão direto para o crack”, relatou ele.

Dr. Sérgio nos revela como o crack, que origina da cocaína, age no corpo humano e por que ele torna os usuários dependentes de forma tão rápida. Além disso, Ramos fala como ele entrou no estado e quando foi considerado uma epidemia. “Nossas taxas de recuperação são baixas, em função de ser um problema novo e, por isso, ainda não desenvolvemos técnicas específicas. A grande jogada é a prevenção”, revelou.

Sérgio de Paula Ramos é doutor em Medicina, pela Universidade Federal de São Paulo, e especialista em em Dependência Química, Reutgers University, e em Psiquiatria, pelo Instituto Nacional de Previdência Social. Faz parte da Associação Brasileira de Psicanálise, da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre e da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas. É, atualmente, diretor do Serviço de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus

Confira a entrevista.

Como o crack age no corpo humano?
Sérgio Ramos –
O crack é uma forma de cocaína, então precisamos entender como ela age no corpo humano. Sua preferência é pela ação neuroquímica (agindo no cérebro, portanto), como uma droga estimulante, trabalhando nos mecanismos cerebrais hormonais. Ao modificar o metabolismo cerebral, produz o efeito euforizante da droga. Quanto mais rápida for a sua absorção, mais será pronunciado o seu efeito e o poder dependógino. Temos a cocaína aspirada, a injetada, e a cocaína fumada, que no caso é o crack, a forma mais potente de todas.

Geralmente, o usuário de crack começa como e por quais motivos?
Sérgio Ramos –
Em geral, todo dependente de droga, na cultura brasileira, começa com álcool. No entanto, o crack é uma droga tão anarquizante e ressonante que nós temos tido relatos de crianças, principalmente de favelas, que nunca experimentaram álcool na vida e vão direto para o crack. Isso ainda é uma coisa excepcional. A regra ainda é o adolescente que começa com a bebida alcoólica numa fase em que não tem “cérebro” ainda para decidir as coisas. Com alguma frequência, do álcool ele evolui para maconha, passa para a cocaína aspirada e, então, para o crack. Este percurso, conhecido com a escalada da droga, não acontece em todos os casos. De qualquer modo, é muito raro você conhecer um fumante de crack cuja primeira droga na vida não tenha sido o álcool. Dessa observação, redunda um fato importante: a possibilidade de prevenção.

Enquanto todos estão apavorados com a epidemia de crack, nos perguntando como evitá-la, precisamos saber que a melhor forma de prevenção é construir uma política responsável sobre o consumo de álcool. Ou seja, o desejável seria lutarmos pela erradicação do consumo de álcool de menores de idade. Esta seria uma forma muito produtiva de se prevenir o consumo de crack.

O que explica a expansão do número de usuários de crack no Rio Grande do Sul? O que está acontecendo no estado pode ser considerado uma epidemia?
Sérgio Ramos – O crack é barato, disponível e tem alto caráter dependógino. O cenário que estamos vendo aqui no Rio Grande do Sul já assistimos há algum tempo em São Paulo. Ele está se tornando uma realidade nacional por causa dessas peculiaridades, ou seja, é uma droga barata, disponível e torna rapidamente o usuário em dependente.

Sem dúvida, no Rio Grande do Sul, o crack assumiu um caráter epidêmico. Não tínhamos, há cinco, seis anos, seu consumo no estado e hoje temos uma explosão de usuários, o que pode caracterizar uma epidemia.

Onde o problema se concentra no Rio Grande do Sul?
Sérgio Ramos – O crack entrou no Rio Grande do Sul pela região serrana, especialmente por Caxias do Sul, há uns seis anos, depois se espalhou pelo estado e chegou a Porto Alegre já há uns quatro ou cinco anos. Precisamos reunir grandes esforços no sentido de tentar fazer um modelo de prevenção e, ao mesmo tempo, tratar os casos já identificados.

Para o senhor, que atende dependentes químicos, como o crack deixou de ser a droga dos pobres e passou a ser consumido também pelas elites?
Sérgio Ramos – A elite quando chega no crack já está “alterada” por anos de consumo de outras drogas. Mesmo uma pessoa de classe alta econômica, ao se envolver com cocaína, em pouco tempo está sem dinheiro para seu status social e, desta forma, busca uma droga com representação mais barata. É o que está acontecendo.

O senhor vê impacto do aumento do uso de crack sobre a violência no estado?
Sérgio Ramos – Total. A violência no estado, que já era fortemente associada a drogas, especialmente ao álcool, ganhou uma grande alavancagem com a chegada do crack. Este, como disse, é uma droga que facilmente torna o usuário dependente e gera uma necessidade de consumo a cada 30 minutos. Mesmo sendo barata, ela depaupera tanto o usuário, que gera a necessita do furto, do roubo, do furto qualificado, e assim por diante. O incremento de violência no estado está diretamente ligado à epidemia de crack, embora já fosse alto por causa do álcool.

Erradicar é muito difícil, combater lembra muito guerra. Devemos aprender que um incêndio se apaga na primeira fagulha e não quando o prédio já está em chamas. A primeira fagulha na história de um usuário de crack é o consumo indevido em tenra idade de bebidas alcoólicas. Estamos carentes – reafirmo – de uma política responsável sobre o álcool. O foco dessa política deveria ser a erradicação do consumo de bebida alcoólica por menor de idade.

É mesmo muito difícil recuperar um viciado em crack? Por quê?
Sérgio Ramos – É. Nossas taxas de recuperação são baixas, em função de ser um problema novo e, por isso, ainda não desenvolvemos técnicas específicas. A grande jogada é a prevenção. Eu, como coordenador da unidade de dependências química do Hospital Mãe de Deus, tenho tido acesso aos dependentes de crack da classe média e da classe alta. Agora que o Sistema de Saúde Mãe de Deus está inaugurando uma parceria público-privada com a prefeitura de Porto Alegre, nós abriremos três centros de assistência psicossocial especializados em álcool e drogas e também passaremos a atender pacientes da classe C e D. Os pacientes que, por enquanto, tenho tratado, das classes média e alta, têm o perfil totalmente alterado pela sua dependência química. O caso que tivemos recentemente aqui no estado, do rapaz que foi assassinado pela mãe, é um caso extremado de um panorama dramático que vemos cotidianamente em quadros clínicos de crack. Há mães querendo amarrar o filho na cama, pais desesperados; enfim, é uma situação verdadeiramente dramática.

A dependência de crack pode acontecer em qualquer família, basta que o rapaz ou a moça comece a usar droga. No entanto, temos encontrado maior presença do crack em famílias desajustadas e temos achado um denominador comum o fato de que as famílias que mais geram dependentes de crack são aquelas que têm comprometida a função paterna. São jovens, em geral, que não tiveram pai ou tiveram pai muito ausente ou omisso. Esse é um cenário onde o crack costuma aparecer.

Diante dessa situação, como o senhor se sente, como médico?Sérgio Ramos – Desafiado. Existe algo acontecendo: essa epidemia de crack, juntamente com a epidemia da febre amarela e a gripe suína. Ou seja, os médicos estão desafiados por novas realidades. E há uma grande convocação por parte da sociedade para o enfrentamento delas.


Fonte: UNISINOS
http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=12382&cod_canal=41

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